Professor do BRI comenta operação Lava-Jato
Professor José Blanes Sala comentou a operação Lava-Jato para a revista Fórum.
Disponível em: http://revistaforum.com.br/digital/175/politicos-empresarios-e-imprensa-quantos-interesses-cabem-na-operacao-lava-jato/
POLÍTICOS, EMPRESÁRIOS E IMPRENSA: QUANTOS INTERESSES CABEM NA OPERAÇÃO LAVA JATO?
A operação da Polícia Federal tem estampado diariamente as manchetes de jornal e pautado discussões de norte a sul do país. Mas o que existe por trás da superexploração do tema na mídia? E quais são os interesses ainda não revelados de muitos dos que se dizem ‘contra a corrupção’?
Por Maíra Streit
A operação Lava Jato, da Polícia Federal, tem concentrado todas as atenções do país nas últimas semanas. A dimensão e a complexidade das investigações mostram que o episódio pode ser uma oportunidade única para discutir a corrupção no Brasil de forma definitiva. Mas, para isso, é preciso saber separar os inúmeros interesses por trás dessa teia de acontecimentos, que se tornou o tema preferido das manchetes de jornal.
De um lado, temos um fato: mudar os paradigmas da corrupção brasileira é um desafio que por vezes parece instransponível, mas que precisa ser enfrentado. A população, mais amadurecida nos debates sociais, está atenta para a necessidade de uma mudança profunda no sistema político vigente e sabe que ela não será feita da noite para o dia.
No entanto, a prisão de mais de 20 grandes executivos ligados a 9 das maiores empresas do país, na sétima fase da operação, aponta que a impunidade está deixando de ser a principal regra do jogo e que estamos caminhando para o combate a essa chaga que atravessa séculos: a cultura do ‘jeitinho brasileiro’ e das negociações por baixo dos panos.
Do outro lado, esse mais preocupante, há personagens que não parecem dispostos a discutir de forma mais profunda o problema, mas se utilizam dele para interesses escusos. Nesse intricado e volumoso grupo, despontam políticos, empresários e grandes veículos de comunicação. A tentativa de simplificar o caso como “um novo escândalo de corrupção do PT” limita a questão a um discurso maniqueísta, que divide o país entre “heróis” e “bandidos” e nada contribui para um debate mais qualificado.
Se cairmos na armadilha de ver a situação como um episódio isolado, resultado da conduta imoral de determinados cidadãos ou de um ou outro partido, cortaremos apenas um dos milhares de tentáculos que alimentam toda uma complexa estrutura de irregularidades, em vez de atacarmos diretamente a raiz do problema.
Uso político
Em um momento de acirrada polarização política, não é exatamente uma surpresa que o caso da Petrobras seja utilizado pela oposição para tentar desestabilizar o governo de Dilma Rousseff. Aliás, isso vem sendo feito desde a campanha que antecedeu a reeleição da petista. O assunto veio à tona em muitos debates com o então candidato à presidência Aécio Neves (PSDB) e culminou em uma desastrada ação da revista Veja de associar, sem provas, Dilma e Lula ao caso.
Obviamente, o PT e partidos da base aliada como o PP e o PMDB, que aparecem com destaque nas investigações, terão muito o que responder no decorrer de todo o processo que envolve a Lava Jato (entenda seus principais pontos no box ao final da página). A sétima fase da Operação, denominada Juízo Final, atingiu o braço financeiro do esquema, que envolve em especial grandes empreiteiras, e o que talvez Aécio não tenha se lembrado, durante os ataques feitos à adversária, é que ele próprio se beneficiou de generosas doações feitas por 6 das 9 empresas investigadas pela Polícia Federal. Ao todo, a quantia repassada à campanha do tucano foi de mais de R$ 30 milhões, sendo R$ 19 milhões apenas da empresa Andrade Gutierrez.
Ainda não está suficientemente clara qual a real participação do PSDB nas irregularidades apuradas, mas algumas informações já apareceram, ainda que sem o devido destaque dado pela mídia tradicional (ver abaixo). Durante depoimento prestado à Polícia Federal, o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, afirmou que o ex-presidente do partido, Sérgio Guerra, recebeu propina no valor de R$ 10 milhões, em 2009, para esvaziar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar a corrupção na estatal. Guerra era senador à época e integrava a comissão. Ele morreu em março deste ano e foi substituído por Aécio Neves no comando do PSDB.
Outro político tucano que veio a público se dizer “envergonhado” com a corrupção na Petrobras foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Porém, os argumentos não se sustentaram durante muito tempo. Logo depois, em seu programa na Band News FM, o jornalista Ricardo Boechat mostrou indignação diante da fala de FHC, fazendo duras críticas ao ex-presidente, que classificou como “oportunista”. “Eu queria fazer a seguinte observação: Acho que ele está sendo oportunista quando começa a sentir vergonha com a roubalheira ocorrida na gestão alheia. É o tipo de vergonha que tem memória controlada pelo tempo (…) O presidente Fernando Henrique Cardoso é um homem suficientemente experiente e bem informado para saber que na Petrobras se roubou também durante o seu governo”, rebateu.
O jornalista lembrou que, ainda em 1989, ganhou o Prêmio Esso com uma reportagem que denunciava desvios na petrolífera. Segundo ele, a atuação de “quadrilhas” dentro da empresa se repetiu também nos governos de José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco. Ao final, disse que a tal “vergonha” anunciada por FHC não passava de “uma tentativa de manipulação política e partidária da questão policial”.
De fato, o Ministério Público Federal, em parecer que pedia à Justiça Federal do Paraná o bloqueio dos bens das empreiteiras envolvidas no caso, informou que o atual esquema investigado na operação da PF existe há “pelo menos” 15 anos. Na página 97 do documento, os procuradores afirmam: “Muito embora não seja possível dimensionar o valor total do dano, é possível afirmar que o esquema criminoso atuava há pelo menos 15 anos na Petrobras, pelo que a medida proposta [sequestro patrimonial das empresas] ora intentada não se mostra excessiva”.
Em depoimento à polícia em Curitiba, o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, reforçou a ideia de que o fato é antigo. Segundo suas declarações, eleconfirmou atuar em negócios ilícitos na estatal desde 2000, durante o governo FHC, quando intermediou serviços para uma empresa espanhola conseguir a manutenção de termoelétricas.
Mas, surpreendentemente também, uma das declarações mais reveladoras sobre a Operação Lava Jato veio justamente de um integrante do PSDB, “com ficha orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC”, conforme se apresentou em artigo o empresário Ricardo Semler. Nacionalmente conhecido pela autoria do best-seller Virando a própria mesa – uma história de sucesso empresarial Made in Brazil, ele publicou um texto intitulado “Nunca se roubou tão pouco” no jornal Folha de S.Paulo.
Semler explica como a empresa de sua família deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 1970. “Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito”, escreveu. Não sendo petista, e sim tucano, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país”, ressaltou.
O empresário critica a ala da direita que reivindica a volta dos militares. Ele lembra que à época da ditadura também havia corrupção e que, hoje, a diferença é que o Brasil tem se esforçado para atacar o problema. “Dilma agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste quesito”, argumentou.
Fim da impunidade?
Sobre esse assunto, o professor e membro do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC), José Blanes Sala, diz não ter dúvidas de que o tema está sendo amplamente usado por partidos de oposição ao governo. No entanto, ele acredita que a operação ganhou toda essa repercussão porque a Polícia Federal está tendo liberdade para ir a fundo nas investigações e, por isso, é natural que mais fatos sejam descobertos.
Blanes Sala argumenta que a gestão de Dilma tem oferecido condições melhores que as anteriores – incluindo a de Lula– para que o combate à corrupção vire uma realidade. “Ela potencializou os órgãos de controle, como a Controladoria Geral da União (CGU), deu maior autonomia e força à Polícia Federal, criou uma série de comissões de ética e meios para que os crimes fossem apurados de forma mais profissional”, explica.
Em uma coletiva de imprensa realizada neste mês durante o encontro do G20, na Austrália, a presidenta afirmou considerar que a operação Lava Jato “pode mudar o Brasil para sempre”. “Em que sentido? No sentido que vai se acabar com a impunidade”, afirmou na ocasião. Ela disse ainda que não seria correto condenar a Petrobras, pois a maioria dos funcionários é honesta; porém, defendeu a punição para “corruptos e corruptores”.
A fala de Dilma é citada pelo professor Blanes Sala para exemplificar o que ele acredita ser uma nova etapa para o país. “É a primeira vez que o governo busca apurar, de forma muito completa, um escândalo como esse. Com certeza, havia outros muito parecidos [em outros governos]. Essas prisões que estão acontecendo agora vão ter grandes consequências a nível político no Brasil”, comenta.
Financiamento empresarial
Uma dessas consequências, segundo o professor da UFABC, seria o fortalecimento da discussão em torno da reforma política e, mais especificamente, sobre a necessidade do financiamento público de campanhas. Afinal, as empreiteiras envolvidas no caso – OAS, UTC, Queiroz Galvão, Odebrecht, Camargo Corrêa, Iesa, Galvão Engenharia, Mendes Junior e Engevix – são também algumas das maiores financiadoras de campanhas eleitorais do país, o que facilitaria uma relação promíscua entre políticos e empresários.
Segundo informações levantadas pela Agência Pública, entre as eleições de 2002 e 2012, juntas, apenas quatro dessas empresas – Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez – investiram mais de R$ 479 milhões em diversos comitês partidários e candidaturas pelo Brasil.
Essa é também a opinião do advogado Modesto Carvalhosa, que se tornou uma referência, com diversos livros publicados acerca da corrupção brasileira. Para ele, trata-se de um ponto-chave a ser considerado. “É importante aproveitar a situação para se fazer uma reforma política. O financiamento empresarial de campanhas ajuda a fomentar a corrupção, pois os políticos ficam vinculados aos financiadores e agem propositadamente. É uma forma criminosa de vincular interesses públicos e privados”, observa.
Apesar de não isentar totalmente a responsabilidade do governo federal diante de muitos dados trazidos pela Operação Lava Jato, Carvalhosa é otimista quanto ao legado que a investigação trará para o país. Ele afirma que, a partir desse momento, pode haver uma “mudança de hábitos” na relação com o poder público e os modelos utilizados até então. “Isso vai mostrar que é possível combater a corrupção. É um marco histórico que vai mudar a cabeça das pessoas”, destaca.
“A imprensa se opõe ao governo por motivos ideológicos”
O posicionamento da mídia em relação à operação Lava Jato é um caso à parte. Em artigos recentes publicados no Observatório da Imprensa, o jornalista e escritor Luciano Martins Costa tem se dedicado a analisar a cobertura feita pelos veículos de comunicação diante das denúncias de irregularidades na Petrobras. Costa enfatiza que as informações têm sido divulgadas pela grande imprensa de maneira parcial. Segundo ele, “a tentativa de concentrar as acusações no núcleo governista” ganha “um caso patético” na Folha de S. Paulo, que teria protegido parlamentares da oposição em suas reportagens. Ele dá como exemplo a matéria intitulada “Doações de investigadas na Lava Jato priorizam PP, PMDB, PT e oposição”. “O levantamento se concentra nos partidos da base aliada, e deixa em segundo plano, no rodapé, figuras mais representativas, como as do senador José Serra e Antônio Anastasia, ex-governador de Minas Gerais, ambos do PSDB, além do deputado federal Ronaldo Caiado e seus colegas recém-eleitos José Carlos Aleluia, Alberto Fraga e Alexandre Leite, todos do Democratas”, escreveu. Ele afirma que são muitas as estratégias utilizadas para diminuir a importância de determinados partidos e culpabilizar os demais. Mas, de acordo com o especialistas, outros jornais foram ainda piores e sequer citaram o envolvimento de parlamentares de legendas como PSDB e DEM. “Os jornais seguem manipulando dados do esquema de corrupção no campo partidário”, sentencia em um de seus textos. Luciano Martins Costa conversou com a Fórum sobre a oposição ideológica da mídia tradicional em relação ao governo e a maneira como isso pode influenciar negativamente a opinião pública, no caso da Petrobras. Fórum – De que forma o senhor avalia a cobertura da grande imprensa em relação à operação Lava Jato, da Polícia Federal? Luciano Martins Costa – A cobertura da imprensa é fragmentada, baseada em vazamentos feitos seletivamente por agentes públicos, sem diferenciar informações válidas de suposições, opiniões, conteúdos restritos ou sigilosos, e definida por um viés claramente partidário. Fórum – Alguns veículos de comunicação têm disfarçado cada vez menos a tentativa de atribuir exclusivamente ao atual governo a culpa pelo episódio na Petrobras, mesmo com as investigações mostrando que o esquema existe há pelo menos 15 anos. E isso, claro, acaba influenciando a opinião pública. Como o senhor vê esse fato? Costa – Durante meses, principalmente no período mais crítico da campanha eleitoral, a mídia tradicional forçou o noticiário sobre o escândalo para envolver o governo federal e seus aliados. Com o surgimento de novos detalhes do caso, alguns jornais e algumas emissoras são obrigados a reconhecer que o saqueamento da Petrobras vem de longa data. Também se omite que os principais operadores do esquema são os mesmos que atuavam no caso Banestado, que envolve não apenas políticos, mas também empresários, artistas, jogadores de futebol e celebridades. Fórum – A revista Veja lançou uma reportagem dias antes da votação do segundo turno, tentando associar a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula à corrupção na Petrobras. A matéria foi bastante criticada pela ausência de provas que pudessem embasar todas aquelas denúncias. Na sua opinião, de que maneira o ódio ao governo pode prejudicar o exercício do bom jornalismo? Costa – A imprensa, de modo geral, se opõe ao governo inaugurado em 2003 por motivos ideológicos: seu credo liberal não admite a ação do Estado como organizador da economia e sempre foi contra os programas sociais de incremento da renda dos mais pobres. Já o ódio da Editora Abril ao governo petista nasceu de uma medida tomada pelo ex-presidente Lula no seu primeiro mandato, quando acabou com o oligopólio no fornecimento de livros didáticos ao MEC. Esse viés ideológico, misturado à contrariedade de empresários que costumavam se beneficiar das políticas públicas, produz um jornalismo de baixa qualidade e dificulta a formação das novas gerações de profissionais da imprensa. Fórum – E esse é um terreno mais do que propício para se discutir a necessidade de democratização da mídia, não é? Costa – A democratização da mídia é um tema importante, não apenas diante do fato de que a imprensa brasileira deixou de ter uma relação orgânica com o jornalismo, mas também porque, numa sociedade hipermediada, a concentração dos meios em mãos de meias dúzia de corporações dá a elas um poder excessivo. Por exemplo, pode-se afirmar que a mídia contribui para tornar mais conservadora a segunda geração das famílias beneficiadas pelos programas sociais do governo, voltando-os contra seus próprios interesses. A democratização da mídia é uma questão autêntica de segurança nacional. |
Entenda a Operação Lava JatoO que é?
Trata-se de uma investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal sobre uma rede criminosa de executivos de empreiteiras, doleiros, políticos e funcionários públicos. Deflagrada em 17 de março de 2014, a operação apontou para uma quantia de R$ 10 bilhões movimentada pelos envolvidos no grupo.
Como funcionava o esquema?
De acordo com as investigações, as empreiteiras se reuniam e decidiam previamente quem executaria cada uma das obras oferecidas pelo poder público. Ao valor da oferta apresentada nas licitações, era acrescentado um percentual, desviado para funcionários públicos e partidos políticos.
Desde quando o grupo vem atuando?
O Ministério Público Federal afirma que o esquema de cartel das empreiteiras em obras da Petrobras existe há pelo menos 15 anos.
Quem comandava as ações?
Conforme divulgado pela PF e o MPF, o doleiro Alberto Youssef era o operador financeiro, enquanto o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa era o operador político do esquema.
Quais empreiteiras estão envolvidas?
Na sétima fase, realizada no mês de novembro, a Lava Jato investigou nove empreiteiras: Camargo Corrêa, OAS, UTC/Constram, Odebrecht, Mendes Júnior, Engevix, Queiroz Galvão, Iesa Óleo & Gás e Galvão Engenharia. Mais de 20 executivos ligados às empresas já foram presos. |