PARA O DEBATE: Cool War
Cool War
Giorgio Romano
Recentemente foi lançado um livro com o título Cool War para caracterizar a relação entre os dois gigantes EUA e China. A relação entre esses dois países e as alianças que isso envolve se tornaram objetos centrais para o estudo das relações internacionais. O conceito de Cool War pretende estabelecer um diálogo entre duas vertentes que dominam o debate nos EUA. De um lado, quem acredita que o conflito seja inevitável, pois a China como potência em ascenção provoca e acentua cada vez mais a relativa queda da hegemonia dos EUA. De outro, aqueles que enfatizam a parceria entre os dois países, ou melhor, sua interdependência na esfera econômica.
Na visão da primeira escola, com nomes como Mearsheimer, cabe aos EUA preparar-se para uma nova guerra fria, cujo foco principal deveria ser isolar a China e reforçar os laços com os países vizinhos como Índia, Vietnã, Coreia do Sul e Japão.
Para a segunda escola, identificada com Henry Kissinger, os dois países ganham mais em fortalecer uma parceria econômica respeitando suas diferenças políticas. Em vez de conter a China, os EUA deveriam diminuir a tensão, inclusive negociando uma reintegração de Taiwan.
Ao final, depois da abertura política provocada por Kissinger nos anos 1970, por meio do que vem sendo chamado de “diplomacia de pingue-pongue”, demorou um pouco, mas chegaram os investimentos das empresas ocidentais, em particular dos EUA, e montou-se uma cadeia de produção global com empresas fornecedoras e subfornecedoras, cujos nomes chegam ao conhecimento do consumidor dos EUA somente quando há graves conflitos sociais, como o caso da Foxxom. E o que a China fez com o enorme excedente em dólares acumulados com as exportações? Investiu nos EUA, sustentando a cultura de consumo com endividamento, que por sua vez mantém firme a demanda por produtos chineses. Isso criou uma realidade de comércio bilateral em torno de US$ 500 bilhões anuais e US$ 1,2 trilhão de dívida pública dos EUA nas mãos do governo chinês.
O que ganhou o notíciario nesta semana é mais um passo na direção de uma nova estratégia da China, que viu seu patrimônio em títulos públicos norte-americanos perder valor com a política de expansão monetária aplicada pelo FED, o banco central dos EUA, para combater a crise. A gerenciadora das reservas cambiais chinesa acabou de estabelecer uma nova operação nos EUA, com objetivo de diversificar a sua enorme carteira de investimentos para investir em açoes e imóveis.
Na verdade, já há algum tempo, a China tenta, por meio do seu Banco de Desenvolvimento e da China Investment Corporation, comprar ações de empresas e apoiar companhias chinesas para que se estabeleçam nos EUA. Alguns anos atrás a tentativa por parte da empresa petroleira estatal chinesa (Cnooc) de comprar uma empresa de energia da Califórnia (Unocal) por US$18 bilhões encontrou forte resistência política e a China teve de desistir. Os EUA defende a economia liberal, mas nem tanto assim. A partir daí, a estratégia é ser modesta, comprando posições minoritárias que chamem menos a atenção. Ou seja, a China está apostando em uma interdependência mais equilibrada. Baste ver se os EUA acham isso cool.
PS: Aliás, uma experiência que vale ser acompanhada pelo Brasil. Afinal, somos o quarto país externo em volume de aplicações em títulos do governo dos EUA, com mais de US$ 200 bilhões.
Giorgio Romano é Coordenador do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC.