PARA O DEBATE: Internet: Novas Formas de Poder Versus Difusão do Poder

Internet: novas formas de poder versus difusão do poder

José Paulo Guedes Pinto

Desde a primeira semana de junho de 2013, uma única pessoa, Edward Snowden, ex-funcionário da CIA (Agência de Inteligência Americana), vem abalando as relações internacionais ao revelar para o jornal britânico The Guardian, em Hong Kong (China) que agências de inteligência estadunidenses estavam monitorando secretamente milhões de telefonemas, e-mails e outras mensagens não só nos EUA, como no mundo todo.

 

O autor (tratado pelos EUA como delator) da denúncia – a qual vem sendo revelada aos poucos na mídia – trabalhava como administrador de sistemas de informática na empresa Booz Allen Hamilton e estava prestando serviços para a Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês).

De acordo com ele (e com documentos que estão sendo disponibilizados aos poucos, como este), agentes da NSA teriam acesso direto aos servidores de nove grandes empresas que atuam na internet, incluindo Google, Microsoft, Facebook, Yahoo, Skype e Apple. O acesso seria parte de um programa de espionagem chamado PRISM (Métodos Sustentáveis de Integração de Projetos, na sigla em inglês), que contava com a adesão voluntária dessas empresas na divulgação de dados dos seus usuários ao governo.

Segundo Snowden, "O NSA construiu uma infraestrutura que lhe permite interceptar quase qualquer coisa […] Nós podemos colocar grampos em máquinas (computadores). Uma vez que você esteja na rede, nós podemos identificar sua máquina. Você nunca estará seguro, não importa que medidas de proteção você adote."

A recente revelação feita ao Guardian vem provocando fortes reações nos principais estados do planeta. A Rússia foi a primeira potência a considerar publicamente o oferecimento de asilo político no caso de pedido do “delator”. A China, que exerce a jurisdição sobre Hong Kong (local escolhido por Snowden para revelar as informações), vem sendo palco de demonstrações de rua em apoio ao norte-americano. Mesmo a aliada União Europeia veio à público ontem alertar o governo dos EUA que eles devem respeitar a privacidade de seus cidadãos.

Além de abalar as relações entre os estados, é possível afirmar também que ações deste tipo constituem um problema para todos os estados na atual era da informação global já que acontecem fora do controle até mesmo dos estados mais poderosos.

É fato que o espraiamento da internet e a popularização dos computadores e de outros dispositivos portáteis (como smartfones e tablets) descentralizaram e distribuíram sobremaneira o poder sobre a informação de uma forma que os possíveis efeitos centralizadores dessas tecnologias nunca poderão superar. Os Estados Unidos já sentiram esses efeitos de forma aguda pelos menos em três ocasiões (o 11 de setembro, agora e no caso wikileaks).

Comparada com o rádio, a televisão e os jornais controlados pelos grandes grupos midiáticos, a internet cria uma comunicação ilimitada de muitas pessoas para muitas. Agora apenas um ator pode desempenhar um papel direto na política mundial e de forma imediata. A internet tornou a informação quase instantânea o que significa que todos os governos têm menos controle sobre suas próprias agendas. O silêncio da administração Obama após uma primeira reação infeliz sobre o caso (que gerou inúmeras peças irônicas na internet, como estae esta, por exemplo) é prova cabal disso.

Outra possível inferência que emerge deste acontecimento é o fato de que os líderes políticos vão desfrutar de cada vez menos liberdade antes que possam reagir aos acontecimentos, e terão de compartilhar o palco com mais atores.

Essa recente revolução da informação pode ser também uma forma de deslegitimar e achatar cada vez mais as hierarquias burocráticas e substituí-las por organizações em rede. À medida que as comunidades virtuais se desenvolvem na internet, elas atravessarão as jurisdições territoriais e desenvolverão seus próprios padrões de governança o que poderá ser um indício do declínio do estado soberano, que tem sido a instituição global dominante desde o Tratado de Westfália em 1648.

Jose Paulo Guedes Pinto é professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC.

 
 
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