PARA O DEBATE: Geopolítica e América Latina: o fim dos governos progressistas?

Geopolítica e América Latina: o fim dos governos progressistas?

Por Tatiana Berringer

A eleição de Hugo Chávez Frias na Venezuela em 1998 marcou o começo de um novo ciclo histórico da América Latina, que alterou o quadro geopolítico. As lutas e mobilizações populares expressaram a reação dos trabalhadores contra os efeitos nocivos do neoliberalismo: desemprego, privatizações e abertura comercial. Na Argentina, o movimento piqueteiro, em 2001, derrubou presidentes e reivindicou mudanças nas políticas macroeconômica e social do Estado. No Brasil, a Campanha Nacional contra a Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA), protagonizada pela Consulta Popular, reuniu as centrais sindicais, os movimentos sociais e os partidos de esquerda (PT, PCdoB e PSTU), impedindo o avanço das negociações e questionando o Protocolo 505 que cedia a base de Alcântara no Maranhão aos Estados Unidos. Na Bolívia, a luta contra a privatização da água e pela nacionalização dos hidrocarbonetos, levou a formação do Partido MAS e a eleição de Evo Morales, primeiro presidente de origem indígena do país. Todos esses governos colocaram em xeque a hegemonia inconteste do capital financeiro e do imperialismo americano na região, enterrando o projeto da ALCA e garantindo melhorias nas condições de vida das suas populações.

Em 2009, o golpe de Estado em Honduras já demonstrou a rearticulação das classes dominantes locais com o imperialismo contra o avanço desses projetos. Em seguida, em 2012, foi a vez do Paraguai com a deposição de Fernando Lugo pelo Congresso. A partir disso, assistiu-se a uma campanha contra a reeleição de Chávez e a posse de Nicolás Maduro, agitação que permanece e tem sido aprofundada com boicotes às importações e ao acesso da população aos alimentos, criando um clima ainda maior de instabilidade. Na Argentina há uma forte ofensiva do capital financeiro e uma ação da mídia e do judiciário, que tentam derrubar a presidenta acusando-a do assassinato do promotor de justiça Nisman. No Brasil, depois de eleições acirradas, há chamadas de mobilizações pró-impeachment, além da campanha contra a Petrobrás e a soberania nacional. E, quase replicando o período de Vargas, Perón e a proposta do Pacto ABC, há fortes discursos contra o Mercosul e a integração regional.

Esse quadro nos faz refletir sobre o futuro do continente sul-americano. Seria o esgotamento do ciclo progressista? Qual é o papel dos Estados Unidos nessas crises políticas que cada país está vivendo? O que está em jogo do ponto de vista geopolítico?

Curiosamente os Estados brasileiro, venezuelano e argentino, de maneiras diferentes, retomaram o controle estatal do petróleo. Ademais, são os principais propulsores da integração regional, tanto do Mercosul como da Unasul, e tornaram-se “modelos” e referências políticas importantes não só no continente, mas, no mundo. A continuidade e radicalidade dos programas de governos e a aproximação que tem feito com os Estados chinês e russo, ameaçam a hegemonia dos Estados Unidos na região. Por isso, não se pode desconsiderar que as crises políticas nesses três Estados estão inscritas na disputa geopolítica mundial.

Tatiana Berringer é Professora do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC.

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