PARA O DEBATE: Sharpeville´s de ontem e hoje

Sharpeville´s de ontem e hoje 

Por Muryatan Santana Barbosa

No último dia 21 de março tivemos mais um Dia Internacional contra a Discriminação Racial. Talvez poucos tenham tido notícia porque em geral costumou-se “celebrar” o  20 de novembro, como o dia da Consciência Negra. Mas trata-se de uma data importante. Ela foi instituída em 1969 pela Organização das Nações Unidas, tendo por referência o “Massacre de Sharpeville”, na África do Sul, ocorrido em 21 de março de 1960. 

O “Massacre de Sharpeville” foi o assassinato de dezenas (os dados oficiais falam de sessenta e nove mortos e cento e oitenta feridos) de manifestantes anti-apartheid pela polícia sul-africana, em uma manifestação ocorrida na cidade de mesmo nome, próxima a Johannesburg.  

A manifestação tinha sido organizada pelo Congresso Pan-Africano, um partido que havia sido recém-formado (1959) na África do Sul, após uma dissidência no Congresso Nacional Africano.  O ato era uma afronta ao apartheid. Em particular, contra a “Lei do Passe”, pela qual os sul-africanos negros eram obrigados a portar uma caderneta em que se registrava sua circulação diária. Em suma, era um ato pacífico, de desobediência civil. Algo muito comum nos movimentos políticos negro-africanos à época, inspirados pelas táticas pacifistas de Gandhi, que foram importantes para a independência indiana (1947).  

Dada a cobertura internacional que foi dada ao fato, o “Massacre de Sharpeville” acabou virando-se contra o próprio regime sul-africano. A realidade do apartheid tornou-se mais conhecida mundialmente. Pegou mal. Surgiram protestos e críticas. Era claro que eles tinham exagerado. E  foi isso que o governo sul-africano ouviu de seus amigos, estadunidenses e israelenses, que também estavam à época buscando formas de modernizar seus colonialismos internos. Não se podia mais administrar povos não europeus apenas pela força da Lei, via segregacionismo aberto. Era muito ostensivo. Fazia-se preciso formular algo mais sofisticado, que foi sendo construído a posteriori. 

O mundo de hoje dá razão a isso. No Brasil ocorre uma “Sharpeville” por dia. São cerca de cinquenta jovens negros mortos por homicídio diariamente, sem que isto, aparentemente, nada tenha a ver com a raça destes indivíduos. Entre 2002 e 2012, caiu em 33% o número de homicídios de jovens brancos, ao passo que cresceu em 23% o número de homicídios de jovens negros. Estes já são hoje 75% do total dos homicídios de jovens no país. Seria isto apenas uma consequência da desigualdade “social”, da pobreza, da falta de oportunidades? É óbvio que não. A raça foi aparentemente substituída pela vitimização, como forma de controle social. Aí está, talvez, a grande contribuição brasileira à “civilização universal”, uma ideia tão cara a Gilberto Freyre e seus correligionários. 

Muryatan Santana Barbosa é Professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC.

Wednesday the 8th. .