PARA O DEBATE: Podemos, saudável novidade na Espanha em crise
Podemos, saudável novidade na Espanha em crise
Por Gilberto Maringoni
Uma mudança significativa está por ocorrer no sistema político espanhol, nas eleições para o Parlamento Europeu, em 25 de maio.
Neste dia pode-se quebrar um bipartidarismo tácito, existente desde a queda da ditadura de Francisco Franco (1936-75). Nesse período, alternaram-se no poder o direitista Partido Popular (PP) e o socialdemocrata Partido Socialista Obrero Español (PSOE). Embora haja diferenças entre ambos, o PSOE aplicou com afinco medidas de corte liberal na economia, como privatizações e mudanças em políticas sociais, enquanto comandou o governo (1982-1996 e 2004-2011). Com isso, no plano macroeconômico, reduziram-se fortemente as diferenças entre os social-democratas e o PP, atualmente no poder.
A Espanha, depois da Grécia e Portugal, é o país europeu mais afetado pela crise de 2008-09. O desemprego atinge a fantástica taxa de 24% da população economicamente ativa. Entre os jovens de 18 a 25 anos, o percentual alcança 50%. Entre 2011 e 2013, o crescimento do PIB foi negativo. No ano passado, houve leve recuperação e o país cresceu 1,4%.
DESALENTO E ORGANIZAÇÃO
Nasceu daí um enorme desalento da juventude em relação à política institucional, com o afastamento entre o descontentamento das ruas e o poder político.
Num país em que o voto não é obrigatório, o panorama recente tem sido de abstenção eleitoral acima de 70%. Tal quadro possibilitou a volta do PP ao poder, há quatro anos, apesar de gigantescas manifestações de protestos contra a situação econômica, nas principais cidades. Mas até 2013, a insatisfação popular não havia gerado organização e força política.
A novidade dos últimos meses é o fenômeno do Podemos. Lançado por cinco professores universitários, em janeiro de 2014, o partido literalmente impactou a agenda nacional.
Desde o final do ano passado, o Podemos aparece como favorito para as eleições do próximo mês, com 23,4% de intenções de voto, segundo o instituto de pesquisas Observatório. O PP vem logo atrás, com 22%, seguido pelo PSOE e pelo liberal-centrista Ciudadanos, ambos com 19%. Izquierda Unida coloca-se bem abaixo, com 2,9%. O social liberal Unión, Progreso y Democracia permanece na lanterna, com 2,6%.
MULTIDÕES DE JOVENS
Arrastando multidões de jovens em manifestações públicas e tendo Pablo Iglesias, um carismático professor universitário de 35 anos, como principal figura pública, o Podemos se propõe a ser uma alternativa às políticas de austeridade impostas pela troika (Comissão Européia, Banco Central Europeu e FMI).
Frequentemente comparado ao Syriza, partido de esquerda que governa a Grécia, a meta do Podemos é chegar às eleições gerais de 20 de dezembro – que escolherão o futuro primeiro-ministro – como a agremiação capaz de assumir o governo.
PROGRAMA
Mas quais os planos do Podemos para a Espanha?
Uma busca em sua página na internet é pouco esclarecedora. Há boas intenções e propostas vagas.
Seguem alguns trechos de seu programa para as eleições de maio:
“Podemos nasce para converter o desalento em mudança política e para construir democracia através da participação cidadã e da unidade popular. Podemos é uma iniciativa cidadã e propõe mudanças simples, porém profundas: recuperar a democracia e colocar a política a serviço das pessoas e dos direitos humanos”.
Mais adiante, alerta:
“Nosso programa foi pensado e redigido por milhares de pessoas e está cheio de propostas ao mesmo tempo ambiciosas e de senso comum. Vejam adiante algumas delas:
1. Mais democracia. Os governantes devem servir ao povo e não servir-se deste. Necessitamos de um plano geral anticorrupção que ponha fim às portas giratórias entre cargos públicos e empresas privadas (...)
2. Mais direitos. Precisamos recuperar a soberania que nos roubaram, para restabelecer os direitos cidadãos. Queremos uma Europa de trabalho digno, saúde universal, com educação, moradia, aposentadorias, ajuda aos dependentes e respeito ao meio ambiente.
3. Mais economia a serviço das pessoas. Transformemos o sistema financeiro. Criemos um modelo socioprodutivo para os países do Mediterrâneo baseado na economia real. Economia do conhecimento, da indústria e da agricultura avançada, com pesquisa, desenvolvimento e inovação em energias renováveis.
4. Os parlamentares do Podemos manterão absoluta independência diante das corporações econômicas e financeiras”.
Como um conjunto de boas intenções, é um ideário ótimo. Como programa concreto de disputa do poder, é ainda insuficiente.
No entanto, a entrada do Podemos como contestação à dramática conjuntura espanhola é uma lufada de ar fresco em um continente que pende para a direita e para o conservadorismo. Não é fácil construir alternativas nessa situação.
Pode também ser um importante elemento na contestação à ortodoxia econômica em território europeu, diante da qual a Grécia segue como voz solitária.
Gilberto Maringoni é professor no Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC