PARA O DEBATE: Swissleaks, a globalização da burguesia e da disputa pelo poder

Swissleaks, a globalização da burguesia e da disputa pelo poder 

Por José Paulo Guedes

Swiss Leaks é uma investigação multinacional e multilateral conduzida pela sociedade civil, representada por mais de 130 jornalistas, de 49 países. Trata-se da revelação de um gigantesco esquema de evasão fiscal operado pelo banco multinacional britânico HSBC através de sua subsidiária suíça, o HSBC Private Bank. A imprensa revelou que 180,6 bilhões de euros (cerca de 613 bilhões de reais) foram movimentados em contas mantidas no HSBC, em Genebra, por mais de 100.000 clientes e 20.000 empresas offshore, entre novembro de 2006 e março de 2007.  

Assim como no caso dos Wikileaks (revelados em parte por Chelsea Manning nascido Bradley Manning) e dos programas de vigilância da NSA (revelados por Edward Snowden), os dados do esquema de corrupção foram revelados por um ex-funcionário do banco, o engenheiro de software Hervé Falciani, que entregou os arquivos às autoridades da França no final de 2008. O fato de uma pessoa afetar uma complexa organização mundial parece ser um forte indício de que o poder hoje é muito mais distribuído e assimétrico do que antes. 

Segundo Joseph Nye (Cyber Power, 2010), atualmente, atores individuais, organizados em redes minimamente estruturadas, têm o poder de influenciar diretamente a política externa, uma vez que o custo de se entrar no ambiente virtual (e no caso, de  denunciar), reduziu na mesma medida em que se difundiram as novas tecnologias da informação e da comunicação. Além de ser possível, com certo esforço político e domínio técnico, garantir certo anonimato na rede. Isso aponta para o surgimento de novas assimetrias nas relações de poder, quando se leva em conta o impacto que a denúncia de indivíduos relativamente isolados produz em governos e grandes corporações como o HSBC. 

Além da questão do poder, a denúncia revela outra dimensão importante: que o Capitalismo está passando por uma fase de grande concentração e centralização de capital, em que poucas empresas e poucos indivíduos passam a controlar grande volume de recursos, com novas e fortalecidas possibilidades de maximizar seus lucros e rendimentos, mesmo que esse algo seja um esquema gritantemente ilegal e criminoso. 

No caso tratado, a investigação considera que o banco obteve lucros ao abrigar dinheiro de sonegadores fiscais e outros transgressores da lei de diversos países. Em relação ao Brasil, por exemplo, o número de clientes chega a 8.867 indivíduos, cujo saldo total das contas, no final de 2013, girava em torno de 7 bilhões de dólares. Vale notar que o Brasil, atualmente, é o sétimo PIB do mundo, mas ocupa o 4º lugar em número de clientes envolvidos no caso HSBC. 

Longe de ser algo surpreendente, o que nos coloca neste lugar privilegiado no ranking do “swissleaks” é a própria lógica de acumulação de capital somada à atual conjuntura. Diversos autores vêm mostrando que, no Brasil, operam-se as mais altas taxas de lucro, quando comparadas às taxas médias mundiais (Michael Roberts, link: https://thenextrecession.wordpress.com/2015/03/16/brazil-a-dirty-scum-on-polluted-water/). Do ponto de vista estritamente capitalista, onde o que vale é a velha e boa fórmula D - [M] - , por mais absurdo que pareça, os evasores brasileiros, mesmo cometendo um crime fiscal, raciocinam de forma correta: evadir divisas sem pagar impostos, esperando uma desvalorização nominal do Real (o que por acaso está ocorrendo neste exato momento) para reintroduzir as divisas externas com maior poder de compra. Essa lógica, óbvia para a macroeconomia internacional, parece operar para quase todos os países cujas burguesias estão envolvidas no esquema. 

Assim, não muito diferente do que Marx escreveu em 'O Capital e no Manifesto Comunista', a internacionalização da classe burguesa fruto da internacionalização do capital é, hoje, uma realidade próxima, com o capital mundial se centralizando cada vez mais nas mãos de um pequeno grupo social, que, além de embolsar os lucros produzidos em todo o lugar, compartilha não só a cultura, as viagens e os espaços cosmopolitas, mas também, e cada vez mais, os mesmo esquemas de corrupção, as mesmas linhas de evasão fiscal através de ligações externas comuns. Muito atrás na luta segue a classe trabalhadora, mas sem perder a sua rival de vista, prova disso foi a cooperação e a coordenação internacional dos jornalistas que denunciaram o caso em questão. 

É sob essa ótica que devemos analisar a grande quantidade de guerras entre Estados-nações, grupos religiosos etnias. Ou o avanço da xenofobia (como o caso do Charlie na França no início do ano) ou ainda os ataques aos direitos dos trabalhadores em todas as frentes e em todo o lugar. Por outro lado é possível dizer que existem luzes difusas e crescentes que podem levar ao fim desse túnel e não à barbárie. Exemplo disso é a mobilização mundial em torno das questões ambientais, o espraiamento dos conhecimentos e das inovações (para além das fronteiras nacionais e das crescentes barreiras da propriedade intelectual), o aumento de missões para combater a fome, a miséria e a violência no mundo, o amadurecimento da cooperação sindical e dos movimentos sociais no âmbito internacional. 

José Paulo Guedes é professor no Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC 

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