PARA O DEBATE: A ‘Fortaleza Europa’ vai continuar reforçando seus muros?
A ‘Fortaleza Europa’ vai continuar reforçando seus muros?
Por José Blanes Sala
A ‘Fortaleza Europa’ vai continuar reforçando seus muros, à custa de quantas vidas humanas? É o que veremos nos capítulos a seguir, vale a pena prestar muita atenção e, se isso acontecer, deveremos fazer algo mais do que simplesmente lamentar...
Já se vão longe os bons tempos (anos 70/80) em que a então Comunidade Europeia recebia como candidatos os ‘irmãos pobres’: Grécia, Espanha e Portugal... Naquela altura, a Comunidade chegou à conclusão de que “ou crescemos juntos de forma equilibrada ou não vale a pena o processo integrador”.
Naquele momento, inclusive, tinha-se a sensação de que os países europeus mais ricos receberiam uma avalanche de trabalhadores dos novos países ingressantes, por conta da ‘liberdade de circulação de trabalhadores’, um dos pilares do Mercado Comum (junto com as liberdades de circulação de mercadorias, de serviços e de capitais). Nada disso aconteceu, ao contrário, a ‘liberdade de circulação de trabalhadores’ se ampliou internamente para ‘liberdade de circulação de pessoas’ em busca do passaporte comunitário.
E hoje, apesar de todos os problemas internos que enfrenta, a União Europeia se revelou um projeto econômico-político que tem muito a oferecer. A prova é que não apenas a Turquia quer fazer parte já faz tempo, como os países da ex-URSS e ex-Iugoslávia também reivindicam seu ingresso. Mas esse, hoje, não é o seu principal desafio. O principal desafio é receber de forma digna todas e cada uma daquelas pessoas que, após uma viagem homérica (no sentido mais heroico da palavra) conseguem alcançar o Mar Mediterrâneo para abraçar o seu sonho de viver melhor. Todas e cada uma, independentemente da origem, etnia, religião, gênero, orientação sexual, ou qualquer outra diferença que possam encontrar os comunitários. É claro que somente faz sentido um controle estritamente criminal, mas balizado pela Interpol e não pelos critérios exclusivos dos Estados Membros.
Crise humanitária no Mar Mediterrâneo de repente? Não, de forma alguma. Os meios de comunicação às vezes tratam os últimos naufrágios como uma crise repentina. Esta versão faz parte do jogo hipócrita que as mentalidades mais discriminadoras, sejam dos interesses egoísticos neoliberais ou das intolerâncias que os partidos de ultradireita, trazem consigo. Um ‘mise-en-scène’ para reformular o falido ‘Projeto Triton’, que os governos através do Conselho da União Europeia criaram para retirar os náufragos do mar e coloca-los em ‘centros de acolhimento’ à espera da repatriação; além de prometer combater o tráfico de pessoas.
A estas alturas, também parece demagógico, às vezes até cínico, ouvir os partidos de centro e muitos partidos de esquerda explicar que a solução deve vir a médio ou longo prazo, pois é preciso investir de forma adequada nas melhorias dos países ‘emissores’ de pessoas... Enquanto isso, desde finais dos anos 80, muitas pessoas, famílias inteiras, continuam se arriscando e morrendo afogadas nas aguas de um mar que, convenhamos, possui belas paisagens no litoral, mas muitos sonhos frustrados e muita tristeza nas suas profundezas (segundo Fortress Europe de 1988 a 2014 já morreram 21.439 pessoas).
A crise humanitária do Mediterrâneo acontece há quase trinta anos e a ela temos assistido passivamente; menos a União Europeia, que tem feito de tudo para escondê-la, esquecendo que a Europa dos Direitos Humanos (outro dos pilares da UE) é a Europa de todos e não somente dos que possuem as nacionalidades dos Estados Membros.
José Blanes Sala é professor no Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC