PARA O DEBATE: A Contribuição do Acordo de Desminagem ao Processo de Paz Colombiano

A Contribuição do Acordo de Desminagem ao Processo de Paz Colombiano

Por David Morales

As negociações do processo de paz entre as FARC e o governo colombiano, iniciadas em La Habana em novembro de 2012,  atravessaram na primeira semana de junho de 2015 um singular paradoxo. Enquanto se consolidava uma intensa crise que fragilizava o cessar fogo unilateral vigente desde dezembro de 2014 e proposto pela guerrilha, ao mesmo tempo se anunciava o sucesso do primeiro desmantelamento de minas terrestres como resultado do Acordo de Cooperação de Desminagem Conjunta entre o exercito colombiano e as FARC.

A crise estabelecida teve suas origens pelas recentes ações bélicas dos grupos beligerantes. O governo atacou posicionamentos das FARC gerando baixas de 40 guerrilheiros como resposta à emboscada da guerrilha que, no mês de abril, tinha perpetrado ataque a uma tropa de 11 soldados. As negociações ficaram paralisadas e uma onda de hostilidade e ameaças tomou conta do processo negociador.   No entanto, o que poderia ter sido a maior crise do processo de paz com profundas consequências políticas e sociais para o país, paradoxalmente foi o momento da constatação do primeiro resultado de avanços na destruição de minas terrestres, de conformidade com o Acordo de Desminagem Conjunta de 7 de março de 2015, o qual estabelecia um prazo exato de três meses para publicar os primeiros resultados dessa ação conjunta entre as partes envolvidas.

O Acordo de Desminagem é completamente inovador pelo fato de colocar guerrilheiros e militares em um mesmo lado para favorecer pela primeira vez, de forma conjunta, o bem estar da população.  O Acordo estabelece a participação proativa da guerrilha em fornecer os mapas com as coordenadas da  localização exata das minas em várias regiões do país, e por sua vez, a logística tecnológica que o exercito possui para a respectiva destruição.  Este processo exige uma aproximação entre os dois lados combatentes para deixar de lado as armas e agressões, e passar a gerar uma simbiose de confiança necessária para poder implementar o processo de retirada e destruição das minas explosivas.

Interessante observar que esse processo de aproximação e geração de confiança durante os últimos três meses, se deu na lógica de colocar a segurança humana como prioridade acima dos interesses conflitantes que ainda são bastante expressivos.  O fato de exigir dos atores um maior compromisso na criação de condições que garantam a segurança e tranquilidade dos moradores das áreas rurais nas quais os explosivos foram espalhados estrategicamente, repercute na necessidade dos habitantes sair do confinamento ao qual foram submetidos, e voltar para suas terras com a garantia de que não encontrarão mais ameaças de morte semeadas. É por isso que o Direito Internacional Humanitário condena o uso de minas terrestres em conflitos pelo fato de envolver uma camada da população completamente frágil (principalmente crianças) além de violentar completamente a dignidade e moralidade humana.

No entanto, os dados oficiais demonstram como esse problema ainda é uma ameaça total para os moradores dos quase 700 municípios, nos quais se acredita que repousam silenciosamente mais de 300 mil minas esperando suas vitimas para destruí-las.   Segundo dados do Programa de Ação Integral contra as Minas (2015) desde 2001 têm sido desativadas mais de 100 mil minas, porém, aproximadamente 12 mil vitimas têm sofrido o ataque traiçoeiro e destruidor. Esses dados colocam a Colômbia como o terceiro país com maior número de afetados por este flagelo.

Por outro lado, a cooperação internacional nesse processo de destruição de minas terrestres tem sido bastante expressiva, porém com pouca repercussão. A ONG Ajuda Popular da Noruega (APN) tem acompanhado o processo de aproximação entre os atores em conflito e igualmente garantido a transferência de informação fornecida pela guerrilha sobre a localização exata das minas explosivas.  Também têm participado observadores do Tratado de Ottawa, regime internacional que demanda dos países a  proibição do uso, armazenamento, produção, transferência e estocagem das minas.  No entanto, os maiores produtores deste armamento ainda não têm aderido à convenção e continuam comercializando as minas. Como decorrência do Acordo, a primeira experiência de desminagem conjunta se materializou nessa primeira semana de junho com um resultado bastante positivo. Pela primeira vez, depois de 50 anos de conflito, um batalhão do exercito e as FARC, em forma conjunta, iniciaram ações com o objetivo de favorecer à população que tem sido afetada de forma intensa.  

No entanto, existem ainda desafios para materializar o objetivo final de atingir o desarmamento total e compreensivo das minas terrestres na Colômbia. O primeiro deles, o número elevado de municípios que devem ser desminados. Isso representa uma alta exigência cartográfica do Estado para lograr mapear todas as regiões e em cooperação com a guerrilha, a plena identificação das áreas onde as minas se encontram.  Um segundo desafio deriva do anterior e está relacionado com o elevado custo que a desminagem humanitária representa para as contas do Estado, entendendo que tal processo pode se arrastar por mais de uma década.   Um terceiro desafio radica na dificuldade de desmantelar territórios com plantações de coca e que se encontram poluídos de minas. Até que ponto a guerrilha estaria disposta a entregar áreas que, até então, são do seu pleno domínio?  Cabe salientar de que a destruição de minas está sendo implementada em municípios de baixa intensidade de conflito, mas não assim nas regiões que ainda representam focos de tensão máxima e palco de confrontos entre os bandos beligerantes. 

Por último, mesmo que o Acordo de Desminagem esteja dando frutos e seja interpretado como o começo do fim do conflito colombiano, existe um problema de fundo ainda sem previsão de resolver. Apesar da cooperação impar entre a guerrilha e o exercito na destruição das minas, há uma dúvida com relação à reparação de danos às vitimas do conflito.  Ainda falta muito para se discutir e construir o modelo de justiça transicional que será aplicado no cenário pós-conflito. Como e por que tantas minas foram semeadas nas regiões mais vulneráveis do país? Quem forneceu tais armamentos já prontos, ou os artefatos e peças para a sua fabricação caseira? Quais os responsáveis pelas ordens e pela implantação destes armamentos? A vantagem é que esta experiência de cooperação entre os atores trouxe um novo fôlego, deixando o processo de paz  em um ponto praticamente sem retorno. Por tanto, a superação dos desafios mencionados e o esclarecimento dos questionamentos colocados serão vitais para o amadurecimento e a materialização do processo pacificador na Colômbia nessa nova fase que se inicia.

David Morales é professor no Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC 

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