PARA O DEBATE: Desenvolvimento, conhecimento e Relações Internacionais

Desenvolvimento, conhecimento e Relações Internacionais

Por Demétrio Gaspari Cirne de Toledo

Os estudos contemporâneos sobre as causas e implicações de diferentes níveis de desenvolvimento entre países – desenvolvimento em seu sentido mais amplo: econômico, social, cultural e institucional que resulta em aumento dos direitos, das liberdades e do bem estar social – têm ampliado consideravelmente o conjunto de variáveis explicativas do fenômeno mobilizadas para compreender as razões e consequências das diversas formas de desigualdade no concerto das nações.

Antes restrito a explicações econômicas, o debate sobre os processos de desenvolvimento se ampliou para incorporar questões como diferenças institucionais, desigualdades de raça e de gênero, aspectos culturais, trajetórias históricas, demografia e impactos ambientais. Hoje em dia, nenhuma análise sobre as causas e consequências do desenvolvimento desigual das nações pode prescindir de uma abordagem multidimensional do fenômeno, sob risco de empobrecer não apenas a compreensão do problema, mas também a proposição de soluções de enfrentamento e superação das desigualdades no interior de países e entre os países.

A desigualdade de níveis de conhecimento aplicável à esfera produtiva entre países é uma das dimensões que nos últimos anos tem sido incorporada ao arsenal teórico dos estudiosos dos processos de desenvolvimento, com resultados muito interessantes. De fato, a importância do conhecimento em geral, e do conhecimento aplicável à esfera produtiva especificamente, vem ganhando nos últimos anos posição central nas discussões sobre os processos de desenvolvimento. Não que antes o papel do conhecimento fosse ignorado: no século XVIII, Adam Smith apontou a importância da inovação organizacional representada pela divisão do trabalho; no XIX, Marx mostrou a importância do desenvolvimento do maquinário fabril no modo de produção capitalista; na primeira metade do século XX, Schumpeter colocou o empresário e suas novas combinações no centro da explicação do processo de desenvolvimento econômico.

Não obstante tão sólidas credenciais, o fato é que as tentativas de elaborar explicações sobre os processos de desenvolvimento centradas no tema da desigualdade de níveis de produção e acesso ao conhecimento só muito recentemente tomaram o centro do palco do debate sobre desenvolvimento, em especial a partir das experiências de desenvolvimento tardio dos chamados tigres asiáticos: Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan - nem poderia ser diferente, uma vez que o desenvolvimento desses países se deveu em grande parte ao sucesso na aquisição, absorção e produção de conhecimento aplicável à esfera produtiva. Christopher Freeman, por exemplo, dedicou toda sua carreira a compreender as relações entre desenvolvimento econômico, ciência, tecnologia e inovação.

No Brasil, tem-se discutido muito a importância para o país de integrar as cadeias globais de valor. Essa integração, no entanto, não se dá sem mais: ela é função dos níveis desiguais de produção e acesso ao conhecimento aplicável à esfera produtiva. O sucesso ou fracasso do Brasil na integração das cadeias globais de valor dependerá da capacidade do país de adquirir, absorver e produzir conhecimento aplicável à esfera da produção, o que determinará, por sua vez, a forma dessa integração: uma integração dependente dos conhecimentos dos países centrais ou uma integração autônoma em termos econômicos, políticos e de produção de conhecimento.

No que diz respeito a esse tema, o desafio da área de Relações Internacionais envolve compreender os mecanismos de produção e reprodução das desigualdades em níveis de conhecimento aplicável à esfera produtiva entre países e refletir propositivamente sobre os caminhos possíveis e suas implicações para o Brasil e para o mundo.

 

Demétrio Gaspari Cirne de Toledo é professor no Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC

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