PARA O DEBATE: Um semestre decisivo para o Brasil nas agendas agrícola e ambiental

Um semestre decisivo para o Brasil nas agendas agrícola e ambiental

Por Olympio Barbanti

Este é um ano importante – e também delicado – para a política externa brasileira em relação a dois temas interligados: o problema da fome e a questão ambiental. Esses temas trazem consigo diversos issue linkages que estão nas mesas de negociação e nas estratégias nacionais de cooperação.

Um primeiro desafio será elevar o reconhecimento do protagonismo brasileiro em relação ao combate à pobreza e à fome. O tema foi colocado como prioridade na política externa pelo então presidente Luíz Inácio Lula da Silva, em 2003 e, desde então, o modelo brasileiro de políticas públicas nacionais, de transferência de renda para populações pobres e de suporte à agricultura familiar, ganhou reconhecimento internacional. O Brasil é considerado como um dos países que mais reduziu a fome, justamente em um período em que o mundo passa por uma crise alimentar de grandes proporções.

Esse modelo brasileiro tem sido “exportado” pelas ações de cooperação internacional de diversos entes federais, especialmente o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Em paralelo, o Brasil também leva a outros países seus conhecimentos e suas práticas em relação à agricultura tradicional e ao agronegócio, por meio da cooperação internacional da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), órgão do Ministério da Agricultura. O sucesso desse modelo duplo contribuiu para a eleição de José Graziano como diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A primeira eleição de Graziano da Silva ocorreu em 26 de junho de 2011, dois dias após o ministro Antonio Patriota (Relações Exteriores - MRE) realizar em Roma o evento “Cooperação Técnica Brasileira: Agricultura, Segurança Alimentar e Políticas Sociais”. Na ocasião, Patriota levou à Itália representantes de seis ministérios envolvidos com as ações internacionais em agricultura e segurança alimentar, e logrou reunir no encontro oficiais de 40 países em desenvolvimento da África, do Pacífico, da América Latina e Caribe.

A reeleição de Graziano da Silva ocorreu em 06 de junho passado, durante a 39ª Conferência da FAO, a qual foi aberta por discurso do ex-presidente Lula. Dessa vez, o suporte a Graziano da Silva ocorreu por meio de um “Memorando de Entendimento entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura”, assinado no próprio dia 06 de junho. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2015)

O brasileiro foi candidato único e foi reeleito com a maior votação da história da FAO: 177 dos 182 votos possíveis.

Segundo a Presidência da República (2011), “o setor agrícola é a principal área de intercâmbio do Brasil com os países parceiros do Sul, por meio de acordos com 19 instituições brasileiras, entre as quais pode-se citar a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), o Serviço Social da Indústria (Sesi), as universidades federais de Lavras (UFLA) e Viçosa (UFV), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por exemplo.”

Seis ministérios brasileiros já estão envolvidos na cooperação agrícola Sul-Sul: Desenvolvimento Agrário; Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Pesca e Aquicultura; Meio Ambiente; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e a Secretaria de Políticas para as Mulheres. O Memorando de Entendimento (2015) afirma que o envolvimento dos órgãos públicos brasileiros na cooperação Sul-Sul, horizontal e triangular, será ampliada, ao redor das seguintes sete áreas de cooperação:

a) “o fortalecimento da segurança alimentar e nutricional; o direito humano à alimentação adequada; redes de proteção social; agricultura sustentável; acesso à terra e a meios de produção rural, no âmbito internacional;

b) “o reforço da segurança sanitária (nos âmbitos vegetal, animal e alimentar, incluindo zoonoses transfronteiriças), bem como a melhoria da qualidade dos alimentos, a fim de alcançar uma alimentação nutritiva, segura e diversificada;

c) “a melhoria da gestão e exploração dos recursos naturais, incluindo a pesca e a silvicultura, associando o conjunto dos atores das zonas rurais e tendo em conta suas vulnerabilidades e diferentes capacidades de adaptação diante dos diversos desafios globais, com especial atenção para os desafios específicos enfrentados por agricultoras e agricultores familiares;

d) “a construção da resiliência das comunidades vulneráveis (agricultores, criadores, pescadores, agentes florestais, comunidades indígenas e tradicionais) ao risco de e/ou afetados por desastres socioambientais (incluindo conflitos) ou tecnológicos; a doenças animais e vegetais/pragas; a crises socioeconômicas e outras crises complexas;

e) “a conformação de redes de pesquisa, bem como a difusão e divulgação dos seus resultados em domínios relativos à segurança alimentar e nutricional; agricultura; meio ambiente; gestão sustentável dos recursos naturais e políticas públicas;

f) “a divulgação e valorização dos resultados e competências adquiridas pelo setor público em matéria de políticas de acompanhamento e avaliação em assuntos de agricultura e gestão dos recursos naturais (estatísticas, observatórios, análise e prospecção), bem como a consolidação das plataformas de diálogo entre múltiplos atores;

g) “a promoção de sistemas de distribuição e abastecimento inclusivos, sustentáveis, eficientes e justos, a fim de evitar perdas e desperdício e promover a integração dos mercados regionais e globais.”

Esse contexto permite à política externa brasileira ganhar reconhecimento adicional pelas ações, no país e no exterior, de combate à pobreza e à fome. E mais: o Brasil tem condições objetivas de afirmar – hoje – que esses ganhos estão sendo obtidos ao mesmo tempo em que o desmatamento na Amazônia foi reduzido e, segundo o governo, encontra-se “controlado”. Trata-se de uma cartada diplomática potente: mais comida, mais grãos e carne, mais biocombustível de etanol, menos desmatamento, e menos pobreza.

No entanto, a liderança do Brasil nas áreas agrícola e de desenvolvimento rural deverá ser colocada em xeque por três motivos – ao menos.

Primeiramente, a questão de biocombustíveis. Ocorre que esses combustíveis são apontados como um dos elementos responsáveis pela crise alimentar mundial, que ocorre desde 2007/2008. Embora o etanol brasileiro (aparentemente) não influencie os preços de grãos no mercado internacional, o Brasil tem se alinhado a outros países do G-20 na persistente defesa dos biocombustíveis, e, de quebra, na manutenção dos subsídios agrícolas na Europa e dos Estados Unidos. E o biocombustível americano (derivado do milho), assim como o asiático (derivado da palma), têm contribuído para desajustes no valor dos alimentos nos mercados internacionais, e causado grandes desmatamentos nas florestas tropicais do sudeste asiático. Fatos abertamente criticados pela FAO.

Em segundo lugar, a asserção do governo brasileiro de que conseguiu controlar o desmatamento na Amazônia deve ter tomada com uma pitada de sal. A pecuária bovina no bioma amazônico continua a crescer em escala geométrica, e vai continuar pressionando pelo desmatamento para formação de pasto. Adicionalmente, o Brasil tem conferido total apoio à Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), endossada pela União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). A IIRSA possui um grande potencial de desmatamento, em toda a bacia da floresta. E mais, até o momento, instituições multilaterais de financiamento às quais o Brasil está ligado, como o Banco do Sul e o Banco dos BRICS, não se manifestaram sobre as salvaguardas específicas que, espera-se, devam adotar em defesa do meio ambiente e de questões sociais.

Por fim, a estrutura de cooperação internacional do Brasil ainda tem diversas fragilidades. A Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores, não possui status, orçamento, e recursos humanos suficientes para coordenar de forma efetiva as ações de cooperação que são levadas a cabo pelos ministérios, pelas autarquias e pelas universidades federais.

Portanto, em 2015 o Brasil já contou pontos com a manutenção de Graziano da Silva na presidência da FAO. Mas deverá dar outros passos adiante para ser um player no campo do desenvolvimento internacional a partir das negociações que ocorrerão neste segundo semestre sobre objetivos de desenvolvimento sustentável, em setembro (Nova Iorque), e de mudanças climáticas, em dezembro (Paris).

Olympio Barbanti é professor no Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC

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