PARA O DEBATE: A próxima revolução industrial já começou

A próxima revolução industrial já começou

Por: Demétrio Gaspari Cirne de Toledo

Quando Joseph Schumpeter cunhou na primeira metade do século XX a expressão ondas sucessivas de progresso técnico, querendo com isso indicar que o capitalismo veria não apenas uma, mas sucessivas revoluções industriais, o mundo ainda estava em sua terceira revolução industrial. Schumpeter não viveu para ver as revoluções industriais seguintes. Desde então, autores como Christopher Freeman, Luc Soete, Carlota Pérez e Nathan Rosenberg descreveram em detalhes, de modo mais ou menos consensual e partindo do trabalho de Schumpeter, as sucessivas ondas de progresso técnico. 

A primeira onda de progresso técnico da era industrial, inaugurada pela chamada primeira revolução industrial, tinha por características mais importantes o uso de ferro, energia hidráulica, mecanização e têxteis; a segunda, motores a vapor, ferrovias, carvão, aço e algodão; a terceira, eletricidade, química, produção em série, motor de combustão interna e petróleo; a quarta, eletrônica, indústria aeronáutica e petroquímicos; e a quinta, tecnologias de informação e comunicação, biotecnologia e redes cibernéticas. Esse conjunto de tecnologias, produtos e formas de aproveitamento de energia são o que a venezuelana Carlota Pérez, pegando carona na noção de paradigma científico e revolução científica de Thomas Kuhn, chamou de paradigma tecnoprodutivo. Os paradigmas tecnoprodutivos formam um todo mais ou menos coerente e interdependente de produtos, processos e tecnologias. É assim que na segunda onda de progresso técnico, por exemplo, conviviam os motores a vapor, o carvão, as ferrovias e o aço; na terceira, a produção em série, o motor de combustão interna (lembrem-se do Ford) e o petróleo. A transição de uma onda de progresso técnico para outra é aquilo que Schumpeter chamou de tempestades de destruição criadora do capitalismo. 

Tudo indica que estamos testemunhando uma sexta onda de progresso técnico neste exato momento. A sexta onda será marcada pela nanotecnologia, por novas formas de energia, pelas tecnologias de manufatura avançada e pela internet das coisas. Os períodos de transição de uma a outra onda de progresso técnico, ou entre as sucessivas revoluções industriais, apresentam uma janela de oportunidades para que países mais atrasados tecnologicamente aproveitam a passagem de um conjunto de tecnologias e produtos para o seguinte. É o que se convencionou chamar leapfrogging (nome em inglês para a brincadeira infantil de pula-sela): quando uma empresa ou país se vale de uma inovação, ou várias inovações, radicais para saltar por cima de seus concorrentes (outras empresas ou outros países) e assumir a dianteira da corrida tecnológica. 

No que diz respeito à sexta onda do progresso técnico, que timidamente começa a dar as caras nesse momento, três países têm desenvolvido políticas públicas para aproveitar essa janela de oportunidades criada pela transição de um paradigma tecnoprodutivo para o seguinte, de modo a não perder sua liderança ou alcançar os países líderes: EUA, Alemanha e China. Esses três países têm colocado em prática estratégias para desenvolver a nova geração de tecnologias que dominarão a sexta onda de progresso técnico, em especial, as tecnologias de manufatura avançada. 

Em documento de 2012, o National Science and Technology Council dos EUA define manufatura avançada como “a family of activities that (a) depend on the use and coordination of information, automation, computation, software, sensing, and networking, and/or (b) make use of cutting edge materials and emerging capabilities enabled by the physical and biological sciences, for example nanotechnology, chemistry, and biology. It involves both new ways to manufacture existing products, and the manufacture of new products emerging from new advanced Technologies”. Os EUA estão implementando desde 2011 a Advanced Manufacturing Partnership, iniciativa voltada a aumentar a competitividade da indústria estadunidense por meio da articulação entre governo, indústria e universidades e institutos de pesquisa. A Alemanha, por sua vez, colocou em prática em 2013 Industrie 4.0, voltada para o desenvolvimento de manufatura avançada com base em sistemas físico-cibernéticos. E a China lançou em 2015 seu plano Made in China2025 (inspirado na estratégia alemã Industrie 4.0), voltado ao desenvolvimento e aplicação de tecnologias de manufatura avançada em diversos setores da indústria chinesa. 

Se souber como aproveitar essa transição do paradigma tecnoprodutivo, o Brasil também poderá dar um salto tecnológico e ingressar na sexta onda de progresso técnico antes que essa janela de oportunidades se feche. Para isso, no entanto, será necessário colocar em prática um conjunto de ações de cunho estratégico que possibilitem ao país transformar seu setor industrial e aumentar a intensidade de tecnologia em sua economia. Na atual conjuntura, no entanto, isso parece muito pouco provável. Infelizmente, tudo indica que daqui a dez ou vinte anos estaremos, mais uma vez, lamentando essa oportunidade perdida.

Demétrio Gaspari Cirne de Toledo é professor no Curso de Relações Internacionais da UFABC

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